1.9.08

VISÃO PRAGMÁTICA

Apenas ele na sala da redacção. Entra ela e diz:
- Boa tarde. Eu sou da agência de publicidade X e venho buscar o material para a contracapa.
- Boas, faça o favor de se sentar que eu estou precisamente a ultimar os textos de rodapé.
- Obrigado.

Um instante de silêncio, quebrado por ele com um tom simpático:
- Então, e que tal lhe tem corrido o dia?
- Bem, felizmente. E o seu?
- Uma maravilha. E parece ter tendência para melhorar.
- Ah sim? Sorte a sua.
- Eu também acredito na sorte, sabe? Por exemplo, assim que entrou ocorreu-me a feliz ideia de lhe perguntar se tem planos para o jantar de hoje…


Um sorriso dela, uma pausa no diálogo e a sua reacção:
- Porque perguntaria tal coisa? Acabámos de nos ver pela primeira vez, somos desconhecidos…
- Podia fabricar num instante uma data de pretextos, mas esse argumento obriga-me a ser frontal. Foi a conjugação da minha disponibilidade com o facto de a sua aparência física me ter feito sentir tentado a arriscar a hipótese de passar um tempo de qualidade com uma pessoa tão bonita assim.
Além disso, referiu que somos desconhecidos e tem toda a razão. Mas se eu não criar as condições para ultrapassarmos essa limitação ela não desaparecerá. E eu lamentaria não ter tomado alguma iniciativa nesse sentido.
Foi tudo isso mais a fé na sorte de que falávamos há pouco…
- Desculpe a questão mas falou da aparência física e eu gostava, só por curiosidade, de saber se existiu algum aspecto em que tenha prendido mais a sua atenção…

Ele engole em seco, recupera a compostura em escassos segundos e avança com a resposta depois de passar de forma discreta mas perceptível a vista pelo peito avantajado da morena deslumbrante:
- Gostei do seu olhar, da forma como trinca o lábio inferior e do tom da sua pele. E creio que me poupará a incluir também o óbvio neste resumo, somos crescidos e não duvido que o saberá tão bem como eu.
- E o que espera de mim ao longo (e depois) dessa refeição?
- Espero uma pessoa com a mesma vontade que eu tenho de fazer valer a pena o tempo investido na ocasião.
- E isso implica o quê?
- Tudo aquilo que a ocasião possa proporcionar.

Novo momento de silêncio, quebrado por ela, sorriso maroto:
- E se a ocasião, como lhe chama, proporcionar um envolvimento íntimo entre nós?
- Farei exactamente o mesmo ao longo de todo o tempo que me conceder, ou seja, tudo aquilo que puder para me certificar de que a “ocasião” lhe agradará, no seu todo, ao ponto de jamais lhe sair da memória.- Hum. E que tal se trocássemos a ordem natural das coisas e fizéssemos agora aquilo que iria acontecer depois do jantar? Assim sempre podíamos apreciar a refeição livres da ansiedade que isso dá…