Às vezes as palavras não me parecem as amigas que eu preciso acreditar. Tenho medo da sua má influência, não em mim mas nas outras pessoas. A mim as palavras não fazem mal algum, já aprendemos a conviver com esta relação de dependência, já aceitámos a nossa incapacidade de existir nas respectivas ausências.
As palavras, as minhas, não existem de facto sem alguém que as dê à luz. Sou pai como sou mãe destas reproduções grosseiras daquilo que me faz. Mas também sou o amante que lhes ensina a arte da paixão, que com elas partilha as emoções mais profundas, as fraquezas mais secretas e tudo o que possuo de bom e de mau para exibir.
As palavras crescem em mim e depois apresentam-se a quem as encontra pelo caminho e nem sempre exprimem a minha essência e outras vezes vão longe demais na exposição do que sou. Atraiçoam-me, como górgonas, petrificando a minha imagem ao sabor das diferentes interpretações que induzem.
E por isso receio por vezes as palavras e fujo-lhes a sete pés, viro-lhes as costas, tapo os ouvidos ao seu canto de sereia com que me arrastam para o falatório e me denunciam enquanto homem vulgar.
O meu amor pelas palavras, contudo, também me obriga a acarinhá-las. Rendo-lhes homenagem em cada tentativa de as utilizar de forma adequada, de conseguir conferir-lhes um sentido e uma missão. De as embelezar pela combinação entre si. O amor requer coragem, requer sacrifício, exige entrega e abnegação. Exige a predisposição para arriscar as perdas e as derrotas, os actos falhados e as desilusões, o perigo das revelações que nos humilham.
Mas o amor, mesmo o das palavras, também dá em troca. Nos momentos de felicidade, nas ocasiões especiais em que tudo se conjuga para se aproximar da perfeição. Os textos bem conseguidos, os beijos sentidos, a sensação de euforia que nos invade quando vivemos a ilusão feliz.
Aquilo que se diz e aquilo que se faz, nem sempre em sintonia. Sentimentos confusos e palavras sem nexo que os expõem. Perturbações comuns que se guardam nos jardins secretos do silêncio das palavras que não queremos à solta, por se virarem contra nós nas cabeças de quem as decifra. Ameaças verbais para a nossa intimidade, para a nossa reputação que desejamos imaculada e se vê arruinada pelo efeito que as palavras são exímias a produzir.
Eu amo as palavras.
Mas temo o desequilíbrio imanente na nossa relação (cada vez mais) conflituosa.
Nas muralhas da cidade
Há 1 dia