4.8.07

UM TUBO DE COLA NA MÃO

O arrependido depressa percebeu que em nada poderia reparar o mal com que deitara tudo a perder. Mas insistia. E isso só lhe trazia consequências ainda piores que somava ao remorso que jamais deixaria de lhe atormentar a consciência.
O arrependido não o sabia. Ou ignorava a fingir, toldado pela esperança imbecil de um miúdo sentado patético diante do valioso vaso quebrado com um tubo de cola para papel na mão.

Fantasiava finais felizes para histórias criadas a partir de ilusões, de falsas interpretações de sinais que afinal pretendiam dizer-lhe aquilo que recusava admitir.
Falseava a derrota maquilhando de rosa uma saída airosa a partir da mentira forjada pela demência associada à mais profunda desilusão.

O arrependido era um parvalhão, incapaz de seguir o seu caminho sem perturbar o difícil processo de cicatrização das feridas abertas que ambicionava suturar e afinal escarafunchava com a melhor das intenções que atafulhavam o seu pequeno inferno interior.
O arrependido era um estupor, pobre coitado, e andava enganado por algum génio maligno ou um deus brincalhão que lhe provocava a confusão que o traía quando mais acreditava que o sucesso na sua empreitada estava mesmo logo ali.

Ao virar da esquina de mais um beco sem saída para onde o conduziam as brilhantes deduções mais as estúpidas hesitações que desnorteavam o rumo e o afastavam do ponto onde queria chegar.
Fingia acreditar numa hipótese impossível mas deixava-se apoderar pelo desencanto descabido quando a verdade dos factos se impunha aos prodígios da sua imaginação infantil.

O arrependido precisava crescer, ou no mínimo acordar para a vida real que era tal e qual fizera por merecer.
O arrependido precisava de uma galheta bem dada e depois era fazer-se à estrada sem por um segundo olhar para trás.

Para provar que era capaz de substituir o arrependimento por um novo sentimento que lhe permitisse recuperar a lucidez e desamparar de uma vez a loja imaginária onde a sua presença ilusória há muito deixara de se fazer sentir como outrora a sonhou.

Aquilo que ganhou, lucro indevido, só faria algum sentido se conseguisse caminhar sem ondas para o lugar que lhe competia.

Sem julgar que desistia mas antes que abraçava o destino como um filho que gerou.
E que entretanto se emancipou.

Do seu ascendente senil.

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