12.6.08

RASTOS DE MIM (Out 2005)

Posso morrer amanhã. Não faço ideia. E por isso preciso deixar ditas as coisas que nunca poderiam ficar por dizer.Porque o tempo avisa-nos da sua correria, mas nós fazemo-nos esquecidos e deixamos sempre para o dia seguinte as tarefas que achamos possíveis de realizar na boa. Amanhã ou depois.Mas não é assim que a coisa funciona.

Recuso a noção da vida como um dado adquirido, como uma companheira leal e dedicada que temos por certa ao nosso lado e nada fazemos por conservar. Está ali e pronto.Não. Eu prefiro acreditar no tal piano de cauda que pode mesmo aterrar-me na mona e mandar-me desta pra melhor. Ou pior, feito num harmónio que mal consiga tocar as notas baixas da sobrevivência precária. Prefiro encarar de frente a minha condição de mortal construído com materiais muito flexíveis mas de resistência duvidosa, menos rijos do que a maior parte do que me rodeia.Parece pessimista? Não é.

Até poderei estar a blogar na plena posse das minhas faculdades daqui a vinte anos. O que direi nessa altura poderá ser dito tarde demais para produzir o efeito que hoje alcançaria. Rejeito a possibilidade de me arrepender então. Antes opto por arriscar falar demais, por deixar no que escrevo, no que digo e no que faço a marca da minha passagem por este mundo e a da passagem dos outros nos cruzamentos da minha. Poucos(as) seguem ainda no mesmo trajecto que eu, lado a lado, por uma data de razões que este blogue algures explicou ou explicará. E é a essa minúscula multidão que devo o penhor da minha gratidão, as palavras que agradecem o bem que o seu amor me faz e o quanto se revelam determinantes aos meus olhos.

A minha felicidade é avessa à solidão e esta é o meu maior terror. Só me protege o amor e é esse que me esforço por louvar, aqui e noutros suportes (como a vida que se faz lá fora). Sou grato a quem me ama e a quem me oferece o pretexto, a própria pessoa, especial, para também eu conhecer de perto o arrebatamento da paixão. A minha alegria é feita das emoções que me fazem sentir vivo como deve ser.Feliz porque tenho com quem me partilhar, com quem chorar, com quem rir às gargalhadas em noites bem passadas e com quem fazer o melhor amor que o mundo conheceu. Esse sou eu. Um gajo capaz de morrer amanhã, cujas pegadas não sejam sopradas pelo vento, confiadas ao esquecimento por não haver quem sinta saudades quando me ausentar de vez. Por não haver quem me queira recordar. Essa é a morte verdadeira para mim.

A vida é o espaço que me foi destinado para dar conta de mim nas pessoas que o destino encaminhou para um rumo paralelo ao meu. As pessoas que me interessam, interessadas pelo que tenha de bom para lhes dar. As pessoas que me querem amar, generosas, para elas as prosas que consigo debitar. Mais a certeza do meu melhor, reservado a quem o saiba merecer, dentro dos critérios que estabeleci e aceito sem reservas negociar. Cedências. E outras exigências consentidas pelo amor.Uma equilibrada permuta em que ninguém saia a perder.Eu sonho conseguir o equilíbrio em mim na gestão razoável de um coração inesgotável enquanto receptáculo do amor, o de pai também. Também sonho ultrapassar um dia a mais exigente fasquia e perceber, no fim, que amei alguém até esse suspiro final da minha paixão. Tenho a razão e pretendo prová-la em vida, para deixar a quem me suceda um mapa bem traçado do que vale a pena cultivar. O tesouro da amizade e do amor, dos prazeres que a vida nos dá, de bandeja, coisas divinais. E ao alcance do mais comum dos mortais.

Luto pela conquista do amor e ainda com mais ardor quando está em causa a sua preservação. Um amor verdadeiro não se pode substituir, apenas se disfarçam as mazelas resultantes da sua inexplicável extinção. Tapam-se os buracos na alma com remendos de euforia para colmatar as lacunas de emoção. Eu recuso aceitar males menores. Quero amar a sério até ao fim, é esse o estandarte que carregarei enquanto respirar e que me identificará na última morada, depois.Agora está na hora de me embebedar de paixão, de mergulhar no espaço que a vida me dá e sentir nas veias o sangue a pulsar. Acelerado pela chama que me orgulha atiçar.

Agora está na hora de amar.