18.5.11

O (ECO)PONTO FINAL

Ficou a observar à distância que o tempo lhe permitia aquele passado que desconhecia quando estava presente naquilo que acreditava ser o princípio de imensos amanhãs.

Percebeu o que não percebia por entre o breu do que lhe dizia a imagem distorcida pelo calor da sua paixão assolapada, a cegueira que cobria os ângulos menos bons destapada pela poeira que entretanto assentou.

Ficou a ver o quanto lhe passou ao lado naquele tempo falsificado pelas emoções que transcendiam as desilusões no confronto directo, o olhar mais atento sobre os pormenores desconexos que a lógica desarmada pelos sentimentos complexos impedia de descortinar por entre a realidade paralela para lá do véu pintado da cor do céu despido das nuvens que afinal já o cobriam então.

Ficou a olhar, vendado o coração, as imagens que conseguira conservar desse tempo até chegar ao momento em que a mente lhe recomendou a abordagem ecológica, a reciclagem psicológica de todos os detritos acumulados.

Passou, então, a colocar cada imagem, cada emoção, no seu devido lugar. Espaços imaginários pintados nos tons necessários para distinguir o lugar mais indicado para despejar o que apenas atrapalhava a arrecadação atafulhada com caixas de papelão poeirentas.

Despejou no contentor verde os cacos do amor de verdade que afinal apenas sonhou e depois dirigiu-se ao amarelo para lá deixar cada imagem que percebia não passar de uma embalagem para presentes envenenados, para momentos condenados pela sua autenticidade de loja do chinês, plásticos baratos dos quais se desfez com enorme alívio interior, pintados com tintas tão tóxicas que faziam lacrimejar como cebolas aquele olhar de crocodilo que sorria para a objectiva fotográfica da memória que lhe permitia agora entender toda a história como uma fantasia juvenil que rasgava para dentro do espaço azul, o papel secundário, o mesmo que lhe merecia quem achava que podia escolher o elenco a seu bel-prazer e o guião gatafunhado com frases de um amor inventado à medida de um ciúme que dava jeito como um magneto instalado no peito para manter interessado um outro alvo qualquer do seu coração de metal e para manter as aparências que disfarçavam as evidências de uma natureza batoteira, profundamente desleal.

7 comentários:

São Rosas disse...

Fixe para o nosso blog. Tem poucas vírgulas.

Kikas disse...

A gente nem dá pela falta das vírgulas, tal é a abundância da qualidade.
Absolutamente soberbo, este texto e eu, que sou uma grande invejosa, até roí as unhas por não ser capaz de descrever os meus amores e muito menos reciclá-los. Comigo, vão directamente para o lixo comum em correio ordinário, sem direito a devolução.

São Rosas disse...

Envia-los de um apartado?

Kikas disse...

É do apartado da p**a que o p***u, com asteriscos armadilhados!

shark disse...

Sãozinha, andas mesmo desertinha de ver a malta à paulada com pontos de exclamação...
:)

shark disse...

Quase corei, Kikas, perante tão intenso elogio.
E gostei da tua versão "prá puta que os pariu".
:)

São Rosas disse...

C*******s vos f***m, que sois tão asneirentos!