5.12.06

PRAIA DESERTA



















Naquele dia o sol parecia querer prolongar um pouco mais a sua permanência no horizonte e iluminar por mais uns minutos o rosto do amante de cabelos ao vento numa praia qualquer.
Lia-lhe no olhar algo mais do que o reflexo alaranjado da sua despedida. Também estava de partida uma fé naquele peito apertado que arfava, a esperança que se apagava ao ritmo da luz que diminuía de intensidade à medida da saudade que crescia.

E o sol já conhecia no final de cada dia muitas histórias desencantadas como a do homem sentado num rochedo fustigado pelas ondas e pelo tempo sem perdão. Sacudia o coração numa arritmia que expurgava sentimentos, os retalhos dos momentos que lhe salpicavam a alma como um duche de vinagre.
O improvável milagre que nunca aconteceria, a estupidez da teimosia de que abdicava naquele instante em que entregava à memória o remanescente do amor impossível de salvar.

O astro rei a adiar a partida, uma ilusão concedida num lapso de tempo adicional para uma decisão que afinal já estava tomada quando o dia nasceu.
A força que se perdeu algures pelo caminho daquele amante que se renegava insistente mas abraçava determinado o futuro que a noite lhe prometia no luar que lhe ofereceria quando o sol entendesse partir.

O ocaso resignado ao final anunciado no brilho discreto de uma lágrima, filha única, que em breve não passaria de outra mera gota salgada na multidão das marés. Tombada aos pés do homem de cabelos ao vento numa praia qualquer.
O adeus a uma mulher que o sol desconhecia, a um romance que se queria agora arquivado nos contornos de um passado sem lugar a uma interferência exterior.
O dia no seu derradeiro estertor, nos últimos instantes de luz.

E o homem sentado num rochedo, decidido a enfrentar o medo da escuridão matreira que lhe exponha a solidão traiçoeira num reflexo prateado pela lua.
Firme como uma rocha, guiado pela tocha que o céu improvisa enquanto nos avisa do cariz efémero da tristeza vã que se desvanece, logo pela manhã, quando o sol alumia os escombros do amor humedecidos pelo orvalho e pousa naqueles ombros o conforto de um agasalho, uma manta de calor.
O rasto liquefeito do degelo naquele peito de uma causa perdida a fenecer.

E a praia fica deserta porque o amante já desperta para o resto da sua vida, ainda por acontecer.

12 comentários:

Anónimo disse...

Não parece "O Charco" à primeira vista, mas depois vê-se logo que é a tua casa, como sempre.
Um texto magnífico.
Espero que a estadia por aqui te seja agradável, bem vindo.

shark disse...

E bem vinda tu também, comentadora número um (estreaste a caixinha, malandra).
Obrigado pelo elogio e pelos votos. Mas ainda não sei se mudo de vez, confesso...

Anónimo disse...

gostei, adorei, amei. continua pelos caminhos que forem possíveis.

shark disse...

Ainda bem que assim é, comentador/a anónimo/a.
Mas o personagem da posta não tem prevista uma sequela para o texto que, naturalmente, é pura ficção...

jp(JoanaPestana) disse...

:-)

shark disse...

Olá, Jotapê. Welcome à minha "casa de praia". :)

Anónimo disse...

Às vezes, gosto de ser a primeira...;-)

jp(JoanaPestana) disse...

obrigado shark
a areia está fresquinha e sabe bem

Anónimo disse...

Eu próprio já muitas vezes passei por isso...às noites, as aventuras, os desvarios, as frustrações, os desencontros...voltava pra casa quando não dormia algures, e a manhã, o sol radioso e o despertar da Vida outra vez, como que serviam para incinerar quaisquer más lembranças e insucessos...e tudo recomeçava!

Anónimo disse...

O homem levantou-se da areia,jogou os cabelos ppro lado, secou as lágrimas com a manga da cueca, empunhou a vara de pesca e subiu a pequena rocha, onde o Sharkinho o surpreendeu e photographou....mas isto já está entrando num outro post, não é mesmo?...no Charquinho.

hesseherre disse...

...Mas ninguém percebeu a 'manga da cueca', no comentário?
Pai Nastal, traz um caixote de óculos...

Anónimo disse...

Obrigado por Blog intiresny