17.12.06

E.R. - Serviço de Urgência


Não vos interessa porquê. Passei a tarde de ontem nas urgências de um hospital. Horas a fio, não às mãos de médicos ou de enfermeiros mas numa sala de espera.

Entravam pessoas a toda a hora, sobretudo pais com crianças. Que berravam as suas maleitas, bronquiolites na maioria dos casos.

Horas nisto, pessoas a saírem, pessoas a entrarem e eu a aguardar a clemência de uma triagem que me livrasse daquele filme com doentes, (im)pacientes de uma unidade hospitalar das que este país dispõe.

E eu ali, a assistir à aflição de uns e à falta de pachorra de outros. A sala de espera dos adultos a poucos metros da reservada à pediatria, tudo misturado quando esta última sobrelotou. Toda a gente praticamente em cima da recepção do “hotel” onde parecia terem sido reservados quartos por dois terços da população lisboeta.

De vez em quando gritavam uns nomes, parecia a inspecção para a tropa, e lá seguia alguém para o corredor da direita. Ou para o da esquerda, era-me igual.

Uma confusão naquele espaço com gente a mais. Doentes e comitiva, todos a aguardarem uma triagem para definir quanto mais tempo à espera.

E eu ali, cada vez mais convicto de que alguém havia perdido a minha ficha, a bolinha com o meu nome no sorteio dos doutores. À rasca com o meu problema, mas com sérias dúvidas acerca do parecer da médica que tinha achado boa ideia dirigir-me às urgências nesta mesma tarde para o resolver.

Ao fim de duas horas acabei por ceder ao desconforto que o problema causava e sentei-me numa cadeira que apareceu milagrosamente vazia. Não tardei a perder a vaga, por causa do cigarro lá fora que já tardava no meio da alucinação de crianças a berrar e médicos ou enfermeiros a tentarem berrar mais alto os nomes dos felizes contemplados com a entrada num gabinete minúsculo onde alguém (médico não parecia) fazia perguntas e consultava um manual plastificado para lhes dar sequência.

“Não sei onde hei de encaixar o seu problema…”. E eu a olhar para ele, cheio de vontade de encaixar uma série de objectos enormes numa zona específica da sua anatomia. Mas não podia estrebuchar, ou ainda acabava por adiar mais a minha resolução. Além disso, confesso, estava à rasca com a pressa que a médica me aconselhara. Um gajo acaba sempre por sucumbir ao instinto de sobrevivência.

Respondi sem grande entusiasmo, convicto de que o bacano me encaixaria com toda a certeza nos antípodas da minha precisão. E ele tomava notas e consultava o manual. Cinco minutos naquilo.

“Agora pode regressar à mesma sala que já o chamam.”

Já o chamam, duas horas depois de uma seca à espera. Deixei de conferir o tempo depois de regressar à dita sala, onde se podia mirar a fila de pessoas com braços ou com putos pendurados ao peito, à espera do momento de tratarem da papelada, o check-in…

O meu nome soou passado um bom bocado, já o sol desaparecera no horizonte e a noite tomara conta da ocorrência.

Outro gabinete minúsculo e uma médica loura, vinte e poucos anos de idade, a perguntar-me o mesmo que o outro como se ele não tivesse retido nada do que lhe expliquei.

Calças para baixo, deitado na marquesa, ela a manusear-me o corpo da forma mais dolorosa possível enquanto formulava conjecturas que eu não conseguia acompanhar enquanto me esforçava para manter a pala de duro, de estóico, mesmo quando outra médica corria a cortina e eu naqueles propósitos a aguentar mil impropérios que a minha boca exigia à solta pelo éter daquele hospital.

Cinco minutos depois, pagar a conta e receber o cartão do seguro de saúde de volta.

Pois, esqueci-me de vos referir. O filme que acabo de descrever não teve lugar no São José, no Curry Cabral ou no Santa Maria.

Passei a tarde que acabam de ler num dos melhores hospitais privados de Lisboa, o CUF das Descobertas…

12 comentários:

Anónimo disse...

Um dos melhores hospitais privados de Portugal com o quadro que v. pintou?... Nem o SUS aqui que é filho deste desgoverno(Sistema Unificado de Saúde)é pior...mas iguais, como abundam!E um dos melhores hospitais aceitando todo e qualquer convênio? É incrível, a coisa tá preta mesmo...Melhoras rápidas, se quiseres te medico por aqui...eu sou mediúnico, também...

shark disse...

Por acaso fiquei muito bem impressionado com o sistema de saúde privado no Brasil quando dele necessitei. E confesso que nem estava a contar com tanta eficiência, considerando a forma como "pintam" o estado geral da tua nação...

Anónimo disse...

Espero que já estejas restabelecido de tamanha maleita que até implicou calças pra baixo...à frente de uma médica de vinte e poucos anos?? (Cá pra mim cheira-me que fingiste mas foi o dói-dói...) ;-P

Tou a reinar contigo mas espero que esteja mesmo tudo bem.
E olha, privatizações na boca dos neo-liberais são o paraíso mas ao que parece na pele dos utentes nem tanto...
Beijoca de melhoras.

shark disse...

Estou a melhorar (e é claro que não perco oportunidades destas...) :)

Quanto às privatizações, corre tudo bem enquanto não se impõem os critérios economicistas que levam a pôr uma pessoa a fazer o trabalho de quatro...

Anónimo disse...

As melhoras para ti já que infelizmente não há melhoras nos hospitais do país.

shark disse...

Assim parece, Célia. E eu tenho a fezada de não precisar dos estatais...

Anónimo disse...

É verdade, resfriados, dor na coluna, distensão muscular, cisco no olho, tudo bem...foste bem atendido...mas antes procuraste a embaixada de Portugal? Te arrebentaram no bolso?
E não te preocupes, 'trombinhos' doem no início mas cedem rápido...logo,logo já estarás sentando ok...Abraços

shark disse...

Tás a tentar "tirar nabos da púcara", Sérgio, mas não há nada de errado no meu traseiro.
Não fui à embaixada, fui a uma clínica particular onde me trataram bem e barato a uma pequena fractura que arranjei a jogar futebol (era mais brutbol).
Abraços de volta.

Anónimo disse...

Nem tudo são espinhos, há muitas rosas também...mas para a imensa e pobre população acorrer de madrugada às calçadas do hospital público, ser atendido 5 horas após, ir à farmácia do próprio e ouvir que "o remédio tá em falta..." eu vivi isto no Hospital em que trabalhei a vida inteira.Os governos sabem e nada fazem.O sistema de saúde no Brasil está entregue às baratas...

shark disse...

O nosso também, Sérgio. Mas estava à espera de pior no Brasil, precisamente por causa da péssima imagem do Serviço Público.
E acabei mais bem tratado do que, por exemplo, no caríssimo e luxuoso hospital que citei.

Anónimo disse...

...mas não foste melhor tratado que no 'Animal Planet' da NET, onde os outros animais têm recursos à disposição, de que até Deus duvida...

Anónimo disse...

Sabes que mais? Um ditoso 2008 (oito) pra você, que 2007 vai ser barbada...e o preço do bacalhau vai baixar aqui no Brasil...