19.5.08

O VENTO E O MAR (Abril 2005)

O vento, o verdadeiro e não uma qualquer brisa passageira e fugaz, segredava-lhe ao ouvido histórias de encantar. Ela ouvia e sorria, deliciada. E oferecia-lhe em troca palavras que ele espalhava pelo mundo com um sopro avassalador.Todos os dias o vento tocava-a, sem contudo a conseguir agarrar. No seu coração em remoinho, a insegurança voava descontrolada de cada vez que a sabia próxima dos que lhe podiam deitar a mão. Algo que o destino o privava de concretizar.E ele bufava a impaciência, agitava-se num temporal, sempre que a imaginava num futuro distante do seu. Longe dela, a revolta, para não a intimidar.

Um dia, quando o vento chegou junto dela para a saudar descobriu-a com um intruso. Era assim que ele o sentia, como uma ameaça, mas nada podia fazer. Ela sorria para o tranquilizar, dizia-lhe que nada mudaria na sua relação. Porém, nesse dia, ela não se interessou pelas histórias que o vento trazia para lhe segredar. Antes ouvia as palavras do intruso, que a seduzia com proezas conversadas e um interesse por ela que a lógica não conseguia explicar.Posso provar-to, dizia ele, com o vento a uivar de raiva nos cumes das montanhas ao longe. O que mais queres que faça por ti? E ela pediu-lhe que lhe explicasse o mar que não conhecia, aquele de que o vento lhe falava nas suas histórias de força indomável e de vontade de vencer.

Dias depois, o intruso regressou. Com uma fotografia das ondas, mais um leitor de cassettes sofisticado que reproduzia o som da rebentação. Ela apreciou deslumbrada, convencida de que sabia agora do que o vento falava quando a encantava num murmúrio.Foi então que o vento decidiu reagir. Com um sopro mais forte, carregou desde a praia uma casca de búzio que depositou aos seus pés. E ela apanhou-o e pôs-se a escutar o som que o vento lhe trazia, sereno e distante, diferente do mar revolto das histórias que ela lhe ouvia contar. O intruso sorria, divertido, perante a imagem patética que o vento recolhera para simbolizar o poder dos oceanos. Mas ela não lhe prestou atenção.

E o vento, que muito a queria, exibiu-lhe o mar como o sentia. E no fim ofereceu-lhe uma flor.