19.5.08

A POSTA FLUVIAL (Março 2005)

Gosto dos rios. Gosto da serenidade com que percorrem o leito nos pontos de sossego que o caminho lhes oferece, tranquilos, e da força descontrolada que os arrasta quando a chuva os engrossa ou o declive os reforça com uma ânsia indomável de galgar. Barragens e montanhas, pontes e fronteiras, nenhum obstáculo que os impeça de prosseguirem na jornada. Apenas adiam o momento, aumentam o tormento, das águas com pressa, atraídas pelo destino que a terra lhes impõe.

Gosto dos rios pela garra com que sulcam um percurso, definem um trajecto até ao ponto de encontro que é alvo da sua determinação. Aprecio-lhes a vontade de o atingir, a certeza feita força que ultrapassa qualquer razão, mais a coragem de se lançarem no vazio, em cascata, quando algures lhes falta um pedaço de chão. Nada os detém, apenas os atrasa. São como animais selvagens que perecem em cativeiro, parecem mansos nas albufeiras, mas espreitam atentos e avançam sem medos quando vislumbram uma boa oportunidade para fugir. E fogem, de facto, a bem ou a mal, dos muros de rochedo como das paredes de betão.

São irreverentes e descontrolados, insolentes e agitados. Mas beijam as margens com carinho, ao longo do caminho até ao abraço, doce com salgado, numa foz em ebulição.