14.1.11

HIDE AND SEEK

A pessoa observa, a pessoa sente, a pessoa raciocina e a pessoa às tantas deixa de se ralar. Acontece sem se dar por isso, como se cada observação funcionasse como uma espécie de torneira numa ampulheta imaginária que deixa jorrar grãos que parecem areia mas afinal são pó a que percebemos reduzida a capacidade de cada vez mais coisas importarem cada vez menos e apesar de percebermos que isso até nos protege de uma data de desgostos facilmente concluímos que algo de nosso se perdeu.


Claro que é mais fácil afirmar o contrário por entre um sorriso hipócrita e um encolher de ombros que, apesar de como gesto de reacção a uma pergunta querer dizer precisamente o contrário, nestas coisas transmite sempre uma enorme certeza no cagar.

É uma forma como qualquer outra de enfrentar as consequências do que somos e de como essa essência que nos faz possui fragilidades, imperfeições e outros duques inesperados no que gostamos de acreditar ser um jogo ganhador.

O maior trunfo é o amor, capaz de tornar irrelevante quase tudo o resto, mas mesmo esse pode de vez em quando transformar-se num joker que nos estraga o royal flush na mão de poker que empunhávamos com a certeza dos vencedores.


A pessoa acredita, a pessoa idealiza, a pessoa ambiciona e a pessoa às tantas perde boa parte da fé. Acontece aos poucos, quando nos percebemos e aos outros simples cartas fora de um baralho que afinal são muitos, tantos quantos cada um de nós. Aparentemente juntos numa luta individual pelo milagre da compreensão da maior parte do que nos rodeia, sem antes cuidarmos de perceber os nossos próprios mecanismos de observação e de os calibrarmos em função da mudança que não pára de acontecer. Inevitável, surpreendente, inexplicável, as contas baralhadas como as cartas tresmalhadas do rebanho a que não aceitamos pertencer porque queremos fazer valer aquilo em que acreditamos porque sem isso é muito mais complicado chegar a algum lado, sem uma qualquer linha permanente de orientação.


E depois tentamos ocultar, os que conseguem, a tristeza que implica descobrir que nem nos podemos dar ao luxo de desabafar a fraqueza sob pena de nos submetermos ao embaraço de percebermos que nos viram as costas porque de repente perdemos um brilho qualquer, porque não damos vontade de sorrir, pobres palhaços ricos que admitem sentir coisas que parecem proibidas num mundo desenhado para gente divertida com uma aparência permanentemente feliz. Sem momentos de hesitação, sem impulsos para a confissão de um pecado que por algum motivo bizarro ninguém parece perdoar.


E depois de consumada mais uma desilusão que sentimos como uma pancada tentamos fechar à pressa a tal torneira na nossa imaginação, demasiado tarde para impedirmos que no lado de baixo da ampulheta (a gravidade a trabalhar) ou, raras vezes, no olhar, aconteça outra pequena inundação.

2 comentários:

jardinsdeLaura disse...

Tanta fragilidade!!! Num tubarão deve ser raro!!! Até fiquei com vontade de lhe dar o meu ombro (o virtual... claro!) ;)

shark disse...

Não é tão raro assim, não há bicho sem pontos fracos.
E cuidado com isso, dá-se-lhes o ombro querem logo morder a coxa e por aí fora...
:)